"Seja bom e faça
o bem”.
Esta foi a mensagem final que o monge budista Matthieu Ricard deixou
para a plateia do auditório da Editora Abril, São Paulo, em palestra realizada
na última segunda-feira, para lançar a versão em português do livro "A
Revolução do Altruísmo” (Editora Palas Athena). No entanto, ao contrário do que
muitos poderiam pensar, a fala não traz nenhum tom moralizante, mas sim
pragmático.
Em um mundo em crise econômica e ambiental, a solução, segundo ele, está
basicamente no altruísmo. Nascido na França, Ricard é Ph.D em biologia
molecular pelo Instituto Pasteur, mas abriu mão da carreira científica para se
dedicar à prática do budismo e, hoje, é conhecido como o "homem mais feliz
do mundo”.
O grande mote de seu livro é mostrar como conciliar as necessidades
individuais e coletivas das pessoas e do planeta, no presente, em um prazo
intermediário e no longo prazo. A resposta, que vem encadernada em 720 páginas,
se resume a uma tarefa simples e desafiadora, ao mesmo tempo: começar a se
importar com os outros.
Altruísmo verdadeiro existe?
Quando se fala em altruísmo, muitas pessoas podem pensar que essa
qualidade não existe genuinamente e que o ser humano é, em regra, egoísta. Nada
mais equivocado, de acordo com Matthieu Ricard. Em entrevista coletiva dada à
imprensa também nesta segunda-feira, ele esclareceu que é errado dizer que uma
pessoa altruísta é aquela que somente pensa no bem-estar dos outros, em vez de
si mesma.
"Nós sabemos que há egoísmo no mundo, mas o maior erro é pensar que
somente há egoísmo”, afirmou. A falsa ideia de que o mundo está permeado de
pessoas que só pensam em si mesmas é, na opinião do monge, em parte criada pela
mídia, que prioriza as notícias ruins e catastróficas nos noticiários.
"Vi uma pesquisa interessante que diz que um jovem do Reino Unido,
aos 20 anos de idade, já ‘viu’ cerca de 40.000 assassinatos por meio da mídia.
Isso não é a vida. Nós precisamos parar com isso”, disse, chamando atenção para
o fato de que não há estudos que comprovem que o ser humano é egoísta por
natureza. "Há somente uma ideia, um preconceito”.
Outra concepção corriqueira, mas também combatida por Matthieu Ricard, é
a que afirma que o altruísmo genuíno não existe, pois, mesmo quando alguém faz
o bem para outra pessoa, o benfeitor estaria se beneficiando com o sentimento
de satisfação e orgulho de si próprio (o chamado "Warm-glow giving”). A
verdadeira abnegação exigiria o sacrifício pessoal.
"Isso é muito bobo”, diz. Ricard acredita que a sensação positiva
de fazer o bem é somente um "efeito colateral” do altruísmo. "Fazer o
bem para alguém e não se sentir bem por isso é o mesmo que ter uma fogueira que
queima, mas não traz calor”, compara.
Ao quebrar a concepção de um "homem que é lobo do homem”, ele busca
abrir as portas para outra etapa do trabalho: desenvolver o altruísmo
individualmente e fazê-lo crescer culturalmente, para melhorar não apenas
pessoas, como também o próprio planeta.
Porque vale a pena ser altruísta
Além do "calor interno” provocado pela boa ação praticada (que nada
tem a ver com egoísmo), Matthieu Ricard defende que há outros benefícios em
adotar uma postura e um pensamento voltado ao bem alheio. Segundo o homem mais
feliz do mundo, o altruísmo é um dos mais importantes ingredientes para a
felicidade.
Esse "estado de graça” a que se refere, porém, não está ligado ao
prazer permanente (o que é impossível). Pelo contrário, ele é um modo de vida
construído por diversos ingredientes e marcado pelo bem-estar, pelo equilíbrio
emocional e por relações sociais saudáveis.
O consumismo (e, por tabela, o individualismo) caminha na contramão
disso. Uma pesquisa científica citada pelo monge indicou, por exemplo, que
pessoas muito centradas em bens materiais são menos felizes do que aquelas mais
"desapegadas”.
As primeiras, que costumam buscar o prazer, não a felicidade, têm menos
equilíbrio das emoções, menos saúde, mais vícios, poucos amigos, são mais
obcecadas com a morte e se preocupam menos com os problemas globais. As
segundas são o exato oposto.
Outro estudo mencionado mostrou que, no Japão, comunidades com grande
número de pessoas com mais de 100 anos de vida são marcadas pelo espírito de
cooperação. A conclusão mais lógica, então, seria a de que o altruísmo pode
aumentar a expectativa de vida, a imunidade do organismo e a saúde mental.
Por isso Ricard prega que a colaboração deve se espalhar pelo mundo. Só
ela seria capaz, inclusive, de criar um futuro digno para nossos filhos e
netos, e para o bioma terrestre. "Nós perdemos cerca de 30% das espécies
de animais, de 1950 até 2015. E este é o desafio: como ter uma boa vida e
deixar o planeta para as gerações futuras”, disse.
Ao deixar de pensar nos outros (já nascidos e que ainda estão por
nascer), as desigualdades sociais se acentuarão e o meio ambiente não terá
reservas necessárias para alimentar as necessidades de todo o planeta.
Como ser menos egoísta
Não é preciso ser monge para desenvolver um espírito doador, mas é
necessário treino mental. Uma das alternativas para reprogramar o cérebro e ter
atitudes mais altruístas é fazer a meditação "loving-kindness”, também
chamada de "amor-bondade”, "bondade amorosa” ou "da compaixão”.
A técnica consiste em mentalizar o desejo de que todos os seres (até
mesmo seu maior desafeto) sejam felizes. No começo, pode parecer muito difícil,
mas Matthieu Ricard garante que tudo melhora com a prática. Segundo ele, 20
minutos por dia de meditação, durante duas semanas, são suficientes para que
surjam os primeiros benefícios, como aumentar a empatia, o equilíbrio emocional
e reduzir os preconceitos.
"Você deve gastar tempo com isso, assim como gasta tempo com várias
outras coisas, como ver TV ou ir a um restaurante. Treinar a compaixão pode ser
muito útil”, afirmou. Para demonstrar isso, ele citou outro estudo, feito com
crianças em escolas na Inglaterra.
Na ocasião, elas realizaram diversas atividades ligadas ao altruísmo,
inclusive meditação, por determinado tempo. O resultado foi: meninos e meninas
mais concentrados, mais atenciosos e menos discriminadores.
Se sua rotina não dispõe nem mesmo de 20 minutos para esta prática, uma alternativa
inventada por um amigo de Matthieu, que trabalha no Google, pode ser a solução.
A técnica adaptada consiste em parar os afazeres e meditar por apenas 10
segundos, a cada hora trabalhada. A
ideia é olhar para as pessoas em volta e pensar ‘que você seja feliz’, ‘que
você fique seguro’, entre outras boas vibrações.
Quando ficou sabendo da inovação do amigo, o próprio monge ficou
incrédulo sobre os possíveis benefícios, mas, com o tempo, se convenceu de seu
potencial benéfico. De acordo com Matthieu, a prática melhorou o ambiente de
trabalho na empresa.
"Eu percebi que, na verdade, não são apenas 10 segundos de
meditação, porque os efeitos dela continuam. É como se você abrisse um vidro de
perfume por 10 segundos a cada hora. No final do dia, o ambiente estará
perfumado”, comparou.
A meditação "a jato” ainda não teve comprovação científica, mas, na
falta de tempo, não custa tentar.
Afinal, ninguém pode reclamar que não
tem sequer 10 segundos para tentar mudar o mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá, seja muito bem vindo!!