O que nos motiva?
Novos estudos mostram que buscar independência, conhecimento e
engajamento valem mais que dinheiro. Saiba como nossa motivação evoluiu e como
isso pode melhorar as próximas escolhas da sua vida... - por Rafael Tonon
O que você quer da vida? Uma pergunta que nos fazem e nós fazemos cada
vez mais.
Mas a neurologia garante: a resposta complicou mesmo, porque nossas
motivações evoluíram junto com todo o resto. O que nos faz levantar da cama,
tocar clarinete, ir para a faculdade, fazer exercícios ou encarar um dia de
reuniões é muito mais do que o salário no final do mês. Às vezes dinheiro até
piora o rendimento de quem está interessado em se desenvolver. Resolvidas às
necessidades básicas, o que nos move é uma exigência interna de autonomia,
conhecimento, envolvimento e dinamismo.
Na era da informação, esses fatores se
tornaram ainda mais importantes.
E é por isso que tantos pulam de galho em
galho buscando algo melhor o tempo todo. Entenda por que a gente não quer só
comida — a gente quer comida, diversão e arte.
DINHEIRO
O QUE É: motiva humanos desde o início da civilização. É o
impulso básico de toda sociedade capitalista. Está nas recompensas (quem
trabalha mais ganha mais; quem pagar antes, paga menos) e nas punições (lei só
pega quando a multa é aplicada).
COMO USAR: cientificamente comprovado como o mais
eficiente para tarefas mecânicas. Perto da Copa, milhões serão despejados nos
canteiros de obras atrasadas para termos estádios no prazo. Em tarefas
criativas, pode não ser tão inspirador.
QUERER NÃO É
GOSTAR
Quando o psicólogo James Olds e sua equipe da Universidade McGill, no
Canadá, descobriram, em 1954, que a busca pela satisfação, e a própria
satisfação em si, acendiam a mesma região no cérebro dos ratos, não tinham
ideia de que transformariam as crenças da época sobre nosso comportamento.
Estudos posteriores feitos em humanos consolidaram a teoria de que somos
impelidos a buscar prazer o tempo todo. Encaramos o estudo árduo antes do
vestibular e enfrentamos o congestionamento até a praia pela recompensa final.
Como explica o neurocientista Jorge Moll, do Instituto D’Or, na expectativa de
viver algo que queremos nosso cérebro já nos dá uma provinha da satisfação. Mas
descobertas recentes mostram que a coisa não é bem assim.
Em experimentos que uniram ressonância magnética, exames de
neuroradiologia e mapeamento de ondas cerebrais, o professor de psicologia da
Universidade de Michigan Kent Berridge fez o achado mais significativo dos
últimos 50 anos sobre nossa motivação. Ele descobriu que nosso cérebro tem dois
sistemas de recompensa — um que nos leva a querer e outro que nos leva a
gostar. Costuma ser uma operação conjunta: sua mente sente vontade de alguma
coisa e, depois, prazer por conquistá-la. Essa venda casada sempre ocultou o
fato de termos dois sistemas diferentes — mas que podem ser flagrados quando
não estão em sintonia. Quando se usam drogas ou em situações de ansiedade e
estresse, o “querer” é turbinado, e provoca a busca de uma recompensa mesmo que
você não esteja tão a fim dela. Ou seja, você se motiva para conseguir algo que
quer, mas não gosta.
Essa descoberta explica, na pressão do vestibular, alguém gostar de
arquitetura mas estar cheio de gás para fazer medicina. Explica por que aquele
emprego pelo qual você lutou é decepcionante de uma maneira que você nem sabe
explicar, depois que conseguiu a vaga. E por que nenhuma empresa faliu seguindo
o consagrado esquema de recompensas e punições: afinal, o cérebro dos
funcionários quer esse esquema, só não parou para pensar se gosta dele.
INDEPENDÊNCIA
O QUE É: fazer as coisas com liberdade de
administrá-las no seu próprio tempo. Ter a possibilidade de direcionar suas
ações no seu ritmo, sem ficar sendo cobrado a toda hora. A cobrança mina a
motivação.
COMO USAR: quando você precisa que uma pessoa contribua
com ideias e resoluções, o autodirecionamento funciona melhor. Quanto mais
autonomia alguém tem, mais envolvida naquilo ela tende a se sentir.
BUSCA
FRENÉTICA
Nosso cérebro foi desenvolvido para ser mais facilmente estimulado do
que satisfeito. O que teve uma lógica evolutiva: as criaturas que se contentam
com pouco tendem a se acomodar sobre a busca de comida ou um abrigo melhor e,
assim, ter uma expectativa de vida menor. A natureza nos presenteou, então, com
a insaciável capacidade de descobrir, explorar, querer mais. Jaak Panksepp,
neurocientista da Universidade de Washington, passou décadas mapeando cérebros
de animais para concluir que aquilo que conhecíamos como sistema de prazer não
produzia tanto prazer assim. No livro Affective Neuroscience (Neurociência
Afetiva, sem edição no Brasil), Panksepp afirma que o motor da nossa motivação
está muito mais em buscar do que se realizar. É esse impulso que nos faz sair
todo dia da cama — ou da toca. Em seus estudos, ele comprovou que mamíferos
preferem procurar comida a encontrá-la de uma forma fácil. E que os seres
humanos, muitas vezes, sentem mais excitação antes do que durante o sexo.
Chamar de “prazer” esse estado que rege nossas motivações parecia inadequado;
Panksepp então adotou a expressão “busca”.
A palavra tem ainda mais sentido agora que nos acostumamos a ver barras
de busca em todas as telas. Outro fator que acentua a necessidade de checar a
rede de 5 em 5 minutos é o que os estudiosos do comportamento virtual chamam de
Fomo (sigla para Fear of Missing Out), síndrome do medo de ficar por fora do
que acontece. “Fomo é um grande motivador do comportamento nos dias de hoje”,
diz a co-fundadora da rede social de fotos Flickr, entre outros sites, Caterina
Fake — o nome dela é esse mesmo.
Na ânsia de
saber o que os amigos estão fazendo ou o que estão comentando na rede, agimos
como os ratos do estudo que abriu o texto.
A verdade é que a tecnologia alterou muitos dos comportamentos humanos.
“Coloque uma criança para jogar videogame durante a manhã e, à tarde, a leve
para a aula bem tradicional. Não é de se estranhar que ela se sinta entediada”,
diz o neurologista Marco Antônio Arruda, diretor do Instituto Glia e
especialista em déficit de atenção. A busca pela recompensa diante dos olhos em
vez dos ganhos mais para a frente explica a troca compulsiva de faculdades, a
flutuação de empregos, a “crise dos 25 anos”. A vida moderna, como os
entorpecentes e o estresse, motiva muito mais o querer do que o gostar. Com
tantas opções disponíveis, fica mais difícil saber qual é o seu caminho. Para
nossa sorte, o mundo moderno trouxe rotas alternativas.
CONHECIMENTO
O QUE É: quanto mais domínio ela tem sobre uma tarefa
ou uma atividade, mais envolvida e desafiada ela se sente a se aprimorar. E o
desafio para nós, humanos, é combustível para a motivação.
COMO USAR: como o conhecimento não é algo fácil de obter, o
esforço faz com que a pessoa queira sempre melhorar e melhorar. A oportunidade
de sempre aprender indica que cada dia você vai estar melhor e mais experiente
do que ontem. E uma pessoa que domina uma atividade e divide isso com outras,
se sente muito mais útil e valorizada.
E afinal, o que nos motiva?
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