A milenar arte de educar dos povos
indígenas
Por Daniel Munduruku · Lorena (SP) · 15/5/2009
Educar é dar
sentido.
É dar sentido ao nosso estar no mundo. Nossos corpos precisam desse sentido
para se realizar plenamente.
Mas também nossos corpos são vazios de imagens e
elas precisam fazer parte da nossa mente para que possamos dar respostas ao que
se nos apresenta diuturnamente como desafios da existência.
É por isso que não
basta dar alimento apenas ao corpo, é preciso também alimentar a alma, o
espírito. Sem comida o corpo enfraquece e sem sentido é a alma que se entrega
ao vazio da existência.
A educação tradicional entre os povos indígenas se
preocupa com esta tríplice necessidade: do corpo, da mente e do espírito. É uma
preocupação que entende o corpo como algo prenhe de necessidades para poder se
manter vivo.
Esta visão de educação é sustentada pela ideia de
que cada ser humano precisa viver intensamente seu momento.
A criança indígena
é, então, provocada para ser radicalmente criança. Não se pergunta nunca a ela
o que pretende ser quando crescer. Ela sabe que nada será se não viver plenamente
seu ser infantil. Nada será por que já é. Não precisará esperar crescer para
ser alguém. Para ela é apresentado o desafio de viver plenamente seu ser
infantil para que depois, quando estiver vivendo outra fase da vida, não se
sinta vazia de infância. A ela são oferecidas atividades educativas para que
aprenda enquanto brinca e brinque enquanto aprende num processo contínuo que
irá fazê-la perceber que tudo faz parte de uma grande teia que se une ao
infinito.
Num mesmo movimento ela vai sendo introduzida no
universo espiritual. Embalada pelas histórias contadas pelos velhos da aldeia,
a criança e o jovem passam a perceber que em seu corpo moram os sentidos da
existência. Este sentido é oferecido pela memória ancestral concentrada nos
velhos contadores de histórias. São eles que atualizam o passado e o fazem se
encontrar com o presente mostrando à comunidade a presença do saber imemorial
capaz de dar sentido ao estar no mundo.
Este processo todo é alimentado por rituais que
lembram o passado para significar o presente. São movimentos corpóreos
embalados por cantos e danças repetidos muitas vezes com o objetivo de “manter
o céu suspenso”. A dança lembra a necessidade de sermos gratos aos espíritos
criadores; contam que precisamos de sentidos para viver dignamente; ordena a
existência. Cada grupo de idade ritualiza a seu modo. Cada um se sente
responsável pelo todo, pela unidade, pela continuidade social.
Educar é, portanto, envolver. É revelar. É
significar. É mostrar os sentidos da existência. É dar presente. E não acaba
quando a pessoa se “forma”. Não existe formatura. Quem vive o presente está
sempre em processo.
É por isso que a criança será sempre criança.
Plenamente criança. Essa é a garantia de que o jovem será jovem no seu momento.
O homem adulto viverá sua fase de vida sem saudades da infância, pois ele a
viveu plenamente. O mesmo diga-se dos velhos. O que cada um traz dentro de si é
a alegria e as dores que viveram em cada momento. Isso não se apaga de dentro
deles, mas é o que os mantém ligados ao agora.
Resumo da ópera:
A educação tradicional indígena
tem dado certo. As pessoas se sentem completas quando percebem que a completude
só é possível num contexto social, coletivo. Cada fase porque passa um indígena
– desde a mais tenra idade – alimenta um olhar para o todo, pois o conhecimento
que aprendem e vivem é um saber holístico que não se desdobra em mil
especialidades, mas compreende o humano como uma unidade integrada a um Todo
maior e Único.
Olhar os povos indígenas brasileiros a partir de uma
visão rasa de produção, de consumo, de riqueza e pobreza é, no mínimo, esvaziar
os sentidos que buscam para si.
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