A milenar arte de educar
dos povos indígenas
por Daniel Munduruku - Mãe e filho Caiapó, fotografia de Antônio Carlos Ferreira Banavita
Educar é dar sentido. É dar sentido ao nosso estar no mundo. Nossos corpos precisam desse
sentido para se realizar plenamente.
Mas também nossos corpos são vazios de imagens e elas precisam fazer parte da
nossa mente para que possamos dar respostas ao que se nos apresenta
diuturnamente como desafios da existência. É por isso que não basta dar
alimento apenas ao corpo, é preciso também alimentar a alma, o espírito.
Sem comida o corpo enfraquece e sem sentido é a
alma que se entrega ao vazio da existência.
A
educação tradicional entre os povos indígenas se preocupa com esta tríplice
necessidade: do corpo, da mente e do
espírito. É uma preocupação que entende o corpo como algo prenhe de
necessidades para poder se manter vivo.
Esta
visão de educação é sustentada pela ideia de que cada ser humano precisa viver
intensamente seu momento. A criança
indígena é, então, provocada para ser radicalmente criança. Não se pergunta
nunca a ela o que pretende ser quando crescer. Ela sabe que nada será se
não viver plenamente seu ser
infantil. Nada será por que já é. Não precisará esperar crescer para ser
alguém. Para ela é apresentado o desafio de viver plenamente seu ser infantil para que depois, quando estiver vivendo
outra fase da vida, não se sinta vazia de infância. A ela são oferecidas
atividades educativas para que aprenda enquanto brinca e brinque enquanto
aprende num processo contínuo que irá fazê-la perceber que tudo faz parte de uma grande teia que se une ao infinito.
Num
mesmo movimento ela vai sendo introduzida no universo espiritual. Embalada
pelas histórias contadas pelos velhos da aldeia, a criança e o jovem passam a
perceber que em seu corpo moram os sentidos da existência. Este sentido é
oferecido pela memória ancestral concentrada nos velhos contadores de
histórias. São eles que atualizam o passado e o fazem se encontrar com o
presente mostrando à comunidade a presença do saber imemorial capaz de dar
sentido ao estar no mundo.
Este
processo todo é alimentado por rituais que lembram o passado para significar o
presente. São movimentos corpóreos embalados por cantos e danças repetidos
muitas vezes com o objetivo de “manter o céu suspenso”. A dança lembra a
necessidade de sermos gratos aos espíritos criadores; contam que precisamos de
sentidos para viver dignamente; ordena a existência. Cada grupo de idade
ritualiza a seu modo. Cada um se sente responsável pelo todo, pela unidade,
pela continuidade social.
Educar
é, portanto, envolver. É revelar. É significar. É mostrar os sentidos da
existência. É dar presente. E não acaba quando a pessoa se “forma”. Não existe formatura. Quem vive o
presente está sempre em processo.
É por
isso que a criança será sempre criança. Plenamente criança. Essa é a garantia
de que o jovem será jovem no seu momento. O homem adulto viverá sua fase de vida sem saudades da infância, pois
ele a viveu plenamente. O mesmo diga-se dos velhos. O que cada um traz dentro
de si é a alegria e as dores que viveram em cada momento. Isso não se apaga de
dentro deles, mas é o que os mantém ligados ao agora.
Resumo
da ópera: A educação tradicional indígena tem dado certo. As pessoas se sentem
completas quando percebem que a completude só é possível num contexto social,
coletivo. Cada fase porque passa um indígena – desde a mais tenra idade –
alimenta um olhar para o todo, pois o conhecimento que aprendem e vivem é um
saber holístico que não se desdobra em mil especialidades, mas compreende o
humano como uma unidade integrada a um Todo maior e Único.
Olhar
os povos indígenas brasileiros a partir de uma visão rasa de produção, de
consumo, de riqueza e pobreza é, no mínimo, esvaziar os sentidos que buscam
para si.
(Pensar Contemporâneo)
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